OS DOIS HÓSPEDES

Entre muitos hotéis da cidade, aquele era o mais aristocrático. Situado num dos pontos mais altos, era ali que se hospedavam os viajantes mais ricos e respeitáveis, alguns dos quais acabavam fixando residência no edifício. A Bondade, a Ternura, o Ódio, a Saudade moravam nele. Jovem e sadia, a Alegria ocupava uma torre esguia e clara, que o sol fazia faiscar, logo que amanhecia. A Tristeza, sempre vestida de negro, vivia num quarto sem luz, que apenas os morcegos visitavam. A Hipocrisia habitava um subterrâneo, e a Mentira, um compartimento estreito, cercado de portas falsas, que lhe facilitavam a fuga à simples aproximação da Verdade.
Era nesse edifício que morava, chamando a atenção de todos, um cavalheiro moço, forte, musculoso, que às vezes, se mostrava doce, polido, gentil, tolerante, e outras, irritado, hostil, intransigente e, não raro, malcriado. Era vizinho do Ciúme e, sob o menor pretexto, altercava com ele, que era, em geral, secundado pela Dúvida, cujos os aposentos ficavam juntos, e tinha secreta comunicação interna.
Certo dia, esse cavalheiro, após uma discussão com os outros hóspedes, resolveu abandonar o quarto que ocupava no hotel. Foi um escândalo. Gritos, súplicas, desmaios, bater de portas e tampas de malas, tudo isso chegou até fora, alarmando a vizinhança. O cavalheiro foi-se, porém, embora, deixando vazio o quarto em que o iam visitar, alternadamente, a Ventura e o Tormento.
À tarde bateram à porta do hotel. Era uma senhora tímida, modesta, fisionomia bondosa, modos recatados, que desejava aposento.
- Temos apenas um quarto, minha senhora. Foi desocupado hoje mesmo. - explicou o dono da casa.
E indicando-lhe o compartimento:
- Entre. Aqui morava, até ontem, o Amor.
- Quem? - estranhou a pretendente.
- O Amor.
- Ah! Não me serve! - tornou a candidata, retirando-se. - Eu não posso residir onde esteve esse senhor.
- E a senhora, quem é?
- Eu sou a Amizade! - explicou a recém chegada.
E desceu, um a um, os degraus do edifício, que tinha, não se sabe por quê, a forma de um coração...